Artes da Cena e Direitos Humanos em Tempos de Pandemia e Pós-Pandemia
EDITORIAL
Artes da Cena e Direitos Humanos em Tempos de Pandemia e Pós-Pandemia foi o tema catalisador do XI Congresso da ABRACE, ocorrido de 13 a 18 de junho de 2021 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, pela primeira vez, em formato totalmente virtual. Desdobramento das discussões iniciadas na X Reunião Científica, a temática proposta no âmbito dos dois encontros – reunião científica em 2019 e congresso em 2021 – teve sua gênese ligada ao propósito de indagar como a pesquisa em artes e, mais especificamente, em artes da cena vem se posicionando frente à crescente relativização dos direitos humanos em governos de extrema direita no Brasil e no mundo, afetando em especial os grupos minoritários. A intensificação do discurso de ódio e a fragilização das normas de tolerância mútua foram fatores, dentre outros, que ampliaram o preconceito e a violência, real e simbólica, contra a população negra, feminina, LGBTQIA+, indígena, trabalhadora, pobre, refugiada, pessoas com deficiência… (lista extensa, aqui não esgotada), sinalizando a urgência de se construir dispositivos democráticos, educativos e de resistência em/com/por meio da arte que ajudem a proteger e coibir propostas violadoras de direitos.
Ainda, no início de 2020 – ano em que o Congresso estava originalmente planejado para ocorrer – outro acontecimento de alcance global veio somar-se ao já conturbado cenário sociopolítico: a pandemia de coronavírus, ameaça invisível e altamente contagiosa que impôs medidas de isolamento social, com impacto direto na realização do evento que, mesmo adiado para o ano seguinte, teve de acontecer em sistema remoto. Esta foi, no entanto, a menor consequência. Se o vírus, por si só, não discrimina cor, classe social, sexo, etnia e outros atributos, a desigualdade e as condições de vulnerabilidade social de grande parte da população brasileira asseguraram que o vírus discriminasse, situação agravada pela inércia e falta de tutela do poder público, sobretudo o federal.
Foi nesse contexto que o XI Congresso da ABRACE se deu. Durante sete dias consecutivos, cerca de 1.400 participantes entre artistas, docentes, pesquisadoras/es e estudantes reuniram-se em torno de questões prementes sobre a temática proposta, enfatizando o necessário papel da universidade e de seus cursos de artes na pesquisa, educação e disseminação de/para uma cultura de direitos humanos e de paz.
O presente e-book apresenta um recorte do conjunto de atividades que integraram o evento, compondo-se de quatro textos resultantes das conferências internacionais e 6 mesas convidadas, treze textos de autoria coletiva como parte das mesas temáticas, além de quinze textos selecionados dos GTs, Grupo de Pesquisadores em Dança e do Fórum de Pesquisas em Processo. Com exceção das conferências internacionais e mesas convidadas, transcritas e/ou revisadas para a língua portuguesa, todas as demais publicações passaram por duas etapas avaliativas: a primeira foi feita pelos próprios GTs, Grupo de Pesquisadores em Dança e Fórum de Pesquisas em Processo, que selecionaram de um a dois textos representativos das discussões ocorridas internamente, durante o congresso; e a segunda, por sistema duplo cego de revisão por pares, em
comissão constituída por representantes dos diferentes agrupamentos.
No que diz respeito à estrutura deste e-book, a organização proposta aqui, em três capítulos, emerge sobretudo da busca de capturar a singularidade das experiências ocorridas durante o XI Congresso da Abrace e seus desdobramentos, a fim de compartilhar com as pessoas que terão acesso a esse material não simplesmente relatos de tais experiências, mas a apreensão da complexidade e das dinâmicas fugidias que as permearam. Desse modo, no capítulo «Epistemes e Afetos”, estão reunidas reflexões acerca de outras elaborações epistêmicas e cosmogônicas de construção do mundo, além da busca incessante das artes da cena em germinar outras afetividades possíveis nas relações entre corpos. Em “Pedagogias e Ações Poéticas na Diversidade”, os textos versam sobre outros assentamentos poético-pedagógicos e processuais que abraçam, em um mesmo enlace criativo, corporeidades diversas e sempre potentes.
No campo de “Críticas Cronotópicas, Alteridades e Ações em Fuga Pandêmica”, as palavras percorrem os cuidados de si, as ações críticas de uma contemporaneidade artística que se revê em tempo constante, as fugas criativas em um mundo pandêmico, as coletividades e as resistências. Por fim, esperamos que esta publicação possa evidenciar algumas das contribuições das Artes da Cena, e particularmente da ABRACE, na constituição de um campo expandido – de práticas e estudos – dedicado aos direitos humanos.
Silvia Geraldi, Ana Terra, Matteo Bonfitto e Renato Ferracini
Silvia Geraldi
Ana Terra
Matteo Bonfitto
Renato Ferracini