FAZENDA EXPERIMENTAL CATUABA: O seringal que virou laboratório-vivo em uma paisagem fragmentada no Acre
Este livro foi idealizado tendo como foco a biodiversidade de uma das mais importantes áreas de estudos do estado e, provavelmente, da Amazônia. Porém, a partir de sua confecção notamos que ele também é um livro de história. Um livro de história, porque nos mostra uma visão holística da mudança da paisagem no leste do Acre nos últimos 35 anos, através da percepção daqueles que conviveram com os moradores locais enquanto estudavam a dinâmica dos solos, do clima, da vegetação e da biodiversidade local. As percepções enfatizadas nesta obra contribuem para o entendimento do status atual de fragmentação da região onde se encontra a Fazenda Experimental Catuaba, FEC.
O tempo geológico e o tempo histórico, assim como, a paisagem e a biota da região leste do Acre são emblemáticas, e nuances dela caracterizam o antigo seringal e a atual Fazenda Experimental Catuaba. O seringal e os seus arredores foram o lar de centenas de famílias de seringueiros, o caminho dos brasileiros que lutaram pela conquista deste território (Capítulo 1). Há quase 35 anos esse seringal se transformou em um palco para atividades de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidas pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e instituições parceiras. Dotado de infraestrutura adequada, a FEC virou um laboratório vivo, por onde passaram milhares de estudantes do ensino médio, graduação e pós-graduação, muitos dos quais conviveram com os seus moradores, e onde foram e continuam sendo executados vários projetos de pesquisa (Capítulo 2), cujos resultados foram aqui magistralmente relatados por seus protagonistas.
Com o passar do tempo, os varadouros, as trilhas que ligavam os seringais aos centros populacionais e que na época constituíam as estradas sombreadas que atravessavam a floresta, gradativamente se tornaram picadas mais largas, depois ramais e então, rodovias pavimentadas importantes, como as BRs 317 e 364. A floresta contínua foi convertida em pastagem e atualmente persistem em remanescentes que formam a paisagem da região mais fragmentada do estado (Capítulo 3).
O clima da Fazenda Experimental Catuaba é o clima do Acre (Capítulo 4), a região da América do Sul onde os ventos carregados de umidade que se deslocam do Atlântico por toda a Amazônia e fazem a curva rumo a região Centro-Sul, irrigando as culturas daquelas regiões. Os solos (Capítulo 5) nesta parte do Acre, em geral, são férteis e a sua distribuição segue o relevo. Eles são avermelhados no topo da terra, amarelados no declive e esbranquiçados e argilosos nos fundos dos vales.
Nesse relevo plano a levemente ondulado, com colinas suaves, viveram povos pré-hispânicos que deixaram a sua marca no solo e na floresta, que atualmente é estudada em parcelas permanentes instaladas há 20 anos, outras há 10 anos, as quais, através de projetos de iniciação científica e de pós-graduação, e envolvendo colaboração nacional e internacional, propiciam o monitoramento da vegetação e colocam o Acre na vanguarda dos estudos sobre o comportamento das florestas frente às mudanças climáticas (Capítulo 6). Nas parcelas permanentes também foram realizados estudos que abordaram o efeito de borda sobre variáveis abióticas, vegetação e organismos animais e vegetais, e ainda, pesquisas sobre a abundância e a riqueza de plantas vasculares (Capítulo 7). O trânsito constante de botânicos pela região, desde o início do século passado, contribuiu para que a flora local se torna-se bem conhecida, representativa da flora do Acre e da Amazônia e, surpreendente, em função das novidades encontradas para o estado e para a ciência.
O conhecimento da fauna do bioma Amazônia é bastante restrito. Além da imensa diversidade já conhecida, muitas espécies ainda estão por serem descobertas. Algumas já podem estar extintas, enquanto outras devem estar ameaçadas de extinção antes mesmo de serem estudadas. As grandes ameaças à fauna da região são a fragmentação e a perda de habitat, ambos provocados pela ação humana, mas apesar disso, o estudo da fauna no leste do estado do Acre é favorecido pela presença de áreas florestadas e preservadas em fragmentos isolados uns dos outros por matriz de pastagem. Os estudos faunísticos tiveram início na FEC no final da década de 1980 e continuam até hoje. Esta obra apresenta um histórico destes estudos, os seus principais resultados e nomina todos aqueles que foram treinados e/ou capacitados na FEC para o estudo de diferentes grupos de metazoários ao longo dos últimos 35 anos. Durante este período, foram estudados tanto invertebrados quanto vertebrados. Dentre os invertebrados, destacam-se os aquáticos, abordados no Capítulo 8 e a Classe Insecta, cujo histórico de estudos é contado em detalhes no Capítulo 9. Já entre os vertebrados destacam-se os peixes, os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos. Os estudos com a ictiofauna iniciaram na FEC em 2003 (Capítulo 8) e desde então, diversos estudos sobre alimentação e ecologia de comunidades. A Herpetofauna (anfíbios e répteis) foi o primeiro grupo de vertebrados a ser inventariado na FEC, cujo início dos levantamentos remonta a 1985 (Capítulo 10). Os inventários e os estudos ecológicos envolvendo a mastofauna tiveram início no final da década de 1990 (Capítulo 12) seguido da avifauna cujos levantamentos regulares só começaram a partir dos anos 2000 (Capítulo 11). Estes capítulos nos brindam com relatos interessantes de como o conhecimento sobre a fauna da região foi sendo desvelado anos após ano através de um esforço coletivo de amostragem.
Por fim, envolvendo a participação de 61 autores de 12 instituições, esta obra apresenta uma perspectiva coletiva do futuro da FEC como laboratório vivo (Capítulo 13) e traz um resumo de todo conhecimento gerado ao longo de quase quatro décadas de estudos, apontando para as perspectivas futuras deste fragmento florestal. O futuro da FEC passa pela reconexão com os fragmentos circunvizinhos visando promover o intercâmbio da fauna, a dispersão de sementes e a manutenção dos serviços ecossistêmicos para as futuras gerações.
Esperamos que todos tenham uma leitura agradável do livro e que ele se constitua em uma imersão na história e na biodiversidade, se torne uma referência para os estudos sobre o tema e desperte os leitores para a importância da ciência.
Marcos Silveira
Edson Guilherme
Lisandro Juno Soares Vieira